quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fairy Tale



Hoje eu vou falar dos contos de fadas, dessas histórias fabulosas que enriquecem nosso celeiro literário; mas vou falar sobretudo para pessoas que vivem sempre a espera de alguém que caiba no seu sonho, de um príncipe encantado montado num cavalo alado.

Somos de uma cultura, onde as histórias contadas, matizadas com a aquarela do autor fazem parte de nossas vidas. Todo mundo conhece algum conto de fada e em algum momento de sua vida já sonhou que pudesse dele fazer parte. O que normalmente não ocorre, isto porque faz parte (ou pelo menos deveria) do ciclo biológico de nossa existência a fase chamada de maturidade. Nesse instante, passamos a desacreditar dessas formas de magia e damos vazão à realidade, embora esta nem sempre preencha os escaninhos da alma. Não quero com isso que vocês pensem que estou destruindo a magia de um “pequeno príncipe” por exemplo, eu mesmo sou fã. Mas uma coisa é ler uma obra e dela extrair substratos para sua vida, outra é querer por fim a força adentrar aquele universo ferindo inclusive os princípios mais básicos de ser simplesmente aquilo que chamam de gente. 

A esta ridicularização do fantástico, nos escreve Cristiane Aquino em seu trabalho “Shrek: a apropriação carnavalesca do príncipe encantado nos contos de fadas.” Aquino trás nas páginas de sua monografia as manifestações carnavalescas nos contos de fadas. Com base em Bakhtin e outros, ela mostra através do personagem Shrek a desconstrução do protótipo real de um príncipe, de modo que este, de encontro aos clássicos contos de fadas, não precisa ser perfeito, basta apenas que seja verdadeiro.

Sem adentrar hermeuticamente no conceito de “verdade” é possível esboçar um olhar sobre as clássicas histórias, fabulosas histórias, onde o protagonista (príncipe – encantado) descortina-se com um tipo físico perfeito e para além do seu ideal de beleza um caráter fantástico. Onde tudo parece perfeito e nada precisa ser mudado, há espaço para a carnavalização, ou seja, a inversão desses valores e comportamentos ditos corretos e irreparáveis. Segundo Aquino (2012) este carnaval consiste na inversão dos valores, na ridicularização daquilo que é, geralmente, aceito pela sociedade. Rompendo desse modo, a visão cristalizada de que para ser um conto de fadas, as personagens e os espaços da narrativa deveriam apresentar-se como sendo perfeitos. 

Temos então, um aporte teórico que da sustentação ao “quereres” de Caetano Veloso, por exemplo. Temos ainda a possibilidade de questionar o inquestionável, mesclando com seus oponentes, maneiras de mostrar como o diferente e o outro assumem papéis de múltipla importância nos nossos conceitos. Quando a princesa que espera pelo príncipe na mais alta torre do castelo se depara com um Ogro (Shrek) ela tem duas possibilidades: ir ou ficar. E por toda nossa vida, a estrada é sempre bifurcada, dicotomizada entre o certo e o errado, o escuro e o claro, o amargo e o doce. E é graças a esta clivagem existencial que podemos fazer nossas escolhas e seguir pela estrada ou pelas bermas da estrada. Vestir-se de sonhos, nem sempre quer dizer que tenhamos que ser reféns deles ou usa-los como escudo à realidade tacanha que nos aflora e desflora sem pedir licença. 

A escolha da princesa Fiona é que faz a diferença nesse conto de fadas, é a partir do momento que ela decide ir que a narrativa deixa de ser retilínea e linear e chega mais perto da vida real. Quando a obra se carnavaliza, invertendo os padrões, ela nos ensina bem mais que os contos de fada convencionais. Estes, geralmente apenas repetem as mesmas histórias com personagens diferentes e “esta idealização de perfeição perpassa os séculos tornando a beleza uma qualidade indispensável á realeza.” (Aquino, 2012)

A todos os homens, de todos os tempos, foi legado o direito de fazer suas escolhas, em alguns momentos da História, esse direito foi negado, questionado e até reprimido. Contudo, vivemos hoje, por mais que algumas pessoas resistam a isso, um tempo emergente, onde os dias e as horas passam sem nos darmos conta que é o tempo quem está passando. Somente através da maturidade, da sabedoria somada com os anos e as procelas diárias, é que seremos capazes de discernir os contos de fadas da vida real e carnavalizar o que precisa ser carnavalizado. Chico Buarque de Holanda costuma de dizer que enquanto as pessoas tem medo de mudanças, ele tem medo que as coisas não mudem. O que de fato, vem a calhar quando se vive estático num mundo que gira, e a cada volta tornamo-nos mais velhos, mais sábios, quem sabe...

Como eu disse que iria escrever em especial para as pessoas que insistem em viver no mundo de fantasia, escondendo-se de si mesmo e anestesiando sua própria realidade, gostaria de dizer que o tempo, as histórias e a vida, não param nem regressam pela nossa incapacidade de viver e escolher o nosso certo, a nossa verdade. E para melhor pensar em tudo que aqui disponho, faço eco ao cancioneiro que nos revela ao modo de melhor pensar, Zé Ramalho:

Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas?
Que vieram como gotas em silêncio, tão furioso
Derrubando homens entre outros animais
Devastando a sede desses matagais
Devorando árvores, pensamentos...
Seguindo a linha do que foi escrito pelo mesmo lábio
Tão furioso
E se teu amigo vento não te procurar
É porque multidões ele foi arrastar. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário