segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Sobre a política. Texto de 1917, continua valendo

Mandado de despejo aos mandarins do mundo:
Fora tu! Reles, esnobe, plebeu
Fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
Banalidade em caracteres gregos
Sopa salgada fria
fora com tudo isso
FORA!
Que fazes tu, nas celebridades?
Quem és tu?
Tu da juba socialista
Tu qualquer outro
Todos os outros
LIXO
CISCO
CHOLDRA PROVINCIANA
SAFARDANAGEM INTELECTUAL
INCOMPETENTES
BARRIS DE LIXO VIRADOS PARA BAIXO
Tirem isso tudo da minha frente
Tudo daqui pra fora
Ultimatum à todos eles e a todos os outros que sejam como eles
TODOS!
Falência geral de tudo por causa de todos
Falência dos povos e dos destinos
Desfile das nações para o meu desprezo
Passai gigantes de formigueiro
Passai mistos que só cantai a debilidade
Passai BOLOR DO NOVO
PASSAI A ESQUERDA DO MEU DESDÉM
Passai e não volteis
Páreas na ambição de parecer grande
Passai finas sensibilidades
MONTE DE TIJOLOS COM PRETENSÕES À CASA
Inútil luxo, passai
Vã grandeza ao alcance de todos
Megalomania triunfante
Vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Chocalhos incompletos
Maravalhas, passai
Passai tradicionalistas auto-convencidos
Anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
para quererem deixar de trabalhar
Vem tu finalmente ao meu asco
Roça-te finalmente contra a sola do meu desdém
[...] Quem acredita neles?
Descasquetem o rebanho inteiro
Mandem tudo para casa descascar batatas simbólicas
O mundo tem sede de que se crie
Tem fome de futuro
[...] A POLÍTICA É A DEGENERAÇÃO GORDUROSA DAS ORGANIZAÇÕES DA INCOMPETÊNCIA
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo
Nenhuma ideia grande
Nenhuma corrente política que soe a uma ideia grão
Época vil dos secundários
Dos aproximados, dos lacaios
Com aspirações a reis lacaios
Sim, todos vós que representais o mundo
Que sois políticos em evidência
Passai, vós ambiciosos de luxo cotidiano
Aristocratas de tanga de ouro
PASSAI
[...] Passai frouxos
Passai radicais do pouco
O mundo quer grandes poetas
Quer grandes estadistas
Quer grandes generais
Quer o político que construa conscientemente os destinos inconscientes dos eu povo
Quer o poeta que busque a imortalidade ardentemente
E não se importe com a fama
Quer o general que combata pelo triunfo construtivo
Não pela vitória em apenas se derrotam os outros
O mundo quer inteligência nova
Sensibilidade nova
O que aí está a apodrecer a vida quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar porque não é nada
Eu da raça dos navegadores lhes afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores desprezo o que seja menos que descobrir um mundo novo
Ergo-me ante o sol que desce
E a sombra do meu desprezo anoitece em vós
Proclamo isso bem alto
Braços erguidos fitando o atlântico e
Saudando abstratamente o infinito.

ULTIMATUM
Alvaro de Campos, 1917