quarta-feira, 30 de maio de 2012

Eu...

    Toda pessoa sempre é as marcas, das lições diárias de outras tantas pessoas...  (Gonzaguinha)



Uma das coisas mais difíceis da vida é se auto descrever. A necessidade de não se reconhecer, torna-se um dos mecanismos de defesa mais usado na contemporaneidade. As pessoas vivem a procura da palavra, do gesto, da ideia, do personagem do filme, do ator da novela, da música, da literatura ate os confins aonde haja o dedo do homem para se projetarem à sombra de algo que lhes pareçam revelar-te com maior efeito. Sabendo que tudo já foi dito, que nada mais somos senão reflexos do passado, falar de “eu” com ideias inéditas porque somos de alguma forma, e eu já disse isso em outro texto não com essas palavras, seres singulares é algo praticamente impossível. Dizem por ai que quem se define, se limita. Dizem também, que nós não somos, estamos. Porque ainda assim, há que se considerar a pertinência da dicotômica significância destes signos: ser – é um estado no qual você torna-se imutável, assim como algo quase inexistente, dado ao cultivo das práticas rotativas da humanidade. Estar – é um estado de espírito no qual você ou alguma coisa se encontra mediante determinadas condições. Partindo, pois deste princípio, elabora-se uma ideia simples de que jamais somos alguma coisa, mas estamos sendo. Assim como estamos vivendo, temporariamente. Acontece, meus caros, que esta ideia de “estar” desassossega nossas mentes, porque com ela vem a ideia de finitude, e ainda somos atormentados pela mística e capenga ideologia de querer ser imortal. Quando eu me rotulo, “eu” busco esquecer essa premissa para mostrar aos outros aquilo que quero que eles vejam em mim. Este “eu” sempre conjugado em primeira pessoa está hierarquicamente ligado às causas primeiras, como se involuntariamente nunca puséssemos o “tu” “nós” “vós” “eles” acima da gente, e se assim fosse, talvez ninguém sofresse complexo de inferioridade. Falar de “eu” me responsabiliza, e isso pode ser muito comprometedor. Mas não falar também o é. Falar de “eu” me egocentriza, mas não falar, também o faz. Falar de “eu” me incomoda, mas não falar, também me causa... Finalmente convencidos de que falar de si é algo muito difícil, para não dizer impossível, porque as pessoas falam mesmo, ainda que pensem que estão falando de si sem estarem, chegamos à conclusão que o que eu digo de “eu” não é o que você ouve de “eu” ainda que ouça por “eu” aquilo penso dizer sobre “eu”.

De Pessoa, Para Pessoa:

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo
E eu tomo-me sempre, mais cedo ou mais tarde
Com aquilo que simpatizo
E eu simpatizo com tudo.
São-me simpáticos os homens superiores
Porque são superiores
E são-me simpáticos os homens inferiores
Porque são superiores também.
Porque ser inferior é diferente de ser superior
E isso é uma superioridade
A certos momentos de visão
Eu simpatizo com alguns homens
Pelas suas qualidades de caráter
Com outros, eu simpatizo
Pelas faltas dessas mesmas qualidades.
E com outros ainda, eu simpatizo por simpatizar com eles.
Como eu sou rei absoluto na minha simpatia
Basta que ela exista
Para que eu tenha razão de ser.

(Fernando Pessoa)

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