sábado, 2 de junho de 2012

Querido diário...

A solidão é fera, solidão devora, é amiga das horas, prima e irmã do tempo que faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração... (Alceu Valença)



Em algumas partes do dia, normalmente quando acordo, passo uns instantes sozinhos sincronizando-me comigo mesmo. Este é um exercício saudável, faz você perceber que acordou e se possível lembrar de ontem para fazer os planos de hoje. Às vezes eu até sonho, pode até se que isto ocorra todas as noites, mas nem todas as manhãs eu tenho consciência de minhas viagens astrais. Às vezes, e só às vezes, eu me levanto com algumas impressões que insisti ou trouxe involuntariamente do mundo dos sonhos, do plano invisível ou imaginário que só existe quando em estado dormente percorremos outros caminhos, mares aqui, nunca dantes navegados. Hoje em especial, acordei esperando receber uma mensagem no telefone celular, dizem por ai que o telefone ao alcance da mão é sintomaticamente simbólico, mas não é disso que quero falar, nem da mensagem que não veio, afinal ela seria minha e particularmente intransferível como uma impressão digital. Então eu me dei conta, como havia falado, que ao menos havia acordado, pratiquei os mesmos hábitos, fiz aquele velho exercício de meditação com a escova dental, ouvi o mensageiro dos ventos dizendo que La fora tinha sol, vento, plantas e havia vida, inclusive numa minúscula formiga que subia meu braço enquanto escovava os dentes. Abasteci-me de comida, pouca, e reguei as plantas. Tudo parece muito normal, quando não se tem alguém que lhe aponte com precisão que você não é normal e você apodera-se dessa ideia como um fragmento conceitual de sua existência naquele momento. Eu vivo muito assim, apoderando-me do que parece ser mergulhado nas impressões pessoais daquilo que leio e só diz respeito ao que eu leio daquilo que se lê. Estar sozinho é uma sensação que ocorre levianamente a todas as pessoas. Levianamente, porque nunca estamos. Apenas sentimos falta de algo que nos complete. Hoje por exemplo, sozinho, após delegar e cumprir as obrigações aqui descritas sem nenhum propósito, voltei a ler um livro que optei “por obra do acaso” reler e me senti incomodado, posso até dizer que me senti invadido. Sim, no alto das 115 páginas que percebi haver atingido, o livro me dizia coisas que talvez eu não quisesse ouvir e isso significa uma companhia invasora, um hospedeiro intruso a despeito da sua própria consciência. Acontece que o mundo (ou o Universo) não para em respeito ao nosso estado de espírito, nós é quem temos de acompanha-lo nos reformando a cada passo. Outro dia inclusive, comentava com uma pessoa mais próxima sobre a arte de decodificar as respostas que Deus nos dá, ele sempre nos ouve, sempre nos atende, nós quem não somos inteligentes o suficiente e capazes de entender, de falar sua língua, de senti-lo mais perto quando nos vemos ao longe, e negamos para nós mesmos essas formas (des)humanas de comunicação. Preferimos repelir-nos em nome de alguma coisa que ai está e permanece insistentemente para nos desafiar, para nos desconfortar e invadir a nossa própria solidão. Só para finalizar, a mensagem acabou de chegar, e sobre ela, não interessa a ninguém se contém em seus 15 caracteres com quatro espaçamentos o que eu esperava, o que eu merecia ou o que eu precisava.

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