domingo, 12 de julho de 2015

Adiposidades literárias

Acho que nunca vou esquecer uma reunião chata, que participei um tempo atrás, em que tirei do palestrante minha atenção para depositá-la única, e exclusivamente, em um exemplar velhinho de Morte e vida Severina de João Cabral de Melo Neto. Até hoje, não sei dizer ao certo se o aceito como poema, embora aceite Os Lusíadas. Ora, falo aqui da minha predisposição tendenciosa à prosa que vergonhosamente marginaliza um pouco as rimas; mas devo confessar Seu João, que sufocando meu fôlego, ative de uma sentada só meu pomposo encantamento pelo livro. O que nem sempre me causam os cordéis. Sendo que mais tarde entraria em meu primeiro romance. Registro o fato, porque com frequência vejo muita gente acreditar que quatorze linhas divididas em dois grupos de quatro e dois de três, com o mesmo número de sílabas rimadas, pode ser um soneto tetrarca. E parece que é!

Devo dizer-lhes, entretanto, que a Literatura não dispõe de fórmulas matemáticas. Vejam o conto, por exemplo. As tentativas em defini-lo partindo de uma única forma são fadadas ao fracasso; sua natureza não dispõe de um mecanismo encaixotado como o soneto. Mecanismo este, que nem sempre é bem vindo na poesia. O próprio João Cabral, para continuar sob a égide dos grandes, disse em 1994 em entrevista a José Geraldo Couto que não se deve poetizar o poema. Isso tiraria sua beleza natural, como quem ousa perfumar uma rosa.

E essa tentativa muitas vezes forçosa de encontrar o “verso certo” acaba provocando no texto um excesso de palavras que só servem para enfeitá-lo, e o desejo do autor/poeta, ou chamado eu lírico, passa por longe porque a palavra não o atingiu com plenitude. Esse pecado não é de exclusividade dos poetas. Quantas vezes na tentativa de embelezar o romance, não encontramos descrições prolixas e desnecessárias. Lembro agora da minha primeira novela, quando em um dos capítulos descrevi a pedra do colar da cigana Walquiria “azul marinho da cor do mar”, evidentemente isso foi corrigido, mas não me retrato apenas a redundância gramatical, mas às adiposidades literárias que vivem por ai entupindo as veias artísticas, causando infartos, alguns fulminantes em escritores de um verso só.


Lembremos, portanto, todos nós que nos abastecemos da escrita para respirar, que nem sempre a sobrecarga das palavras soma. É mais fácil, entre dois adjetivos, um desprezar o outro, porque sempre haverá algo como a “rosa” que não precisa de perfume porque já é por si poética que se difere de “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. E a frente dessa lição, haverá sempre nomes como Graciliano Ramos ou Augusto dos Anjos mostrando que não descobrimos nada sobre economia linguística e estamos aqui para aprender com os melhores.

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