segunda-feira, 2 de abril de 2012

A dama no espelho: reflexo e reflexão


Metaforicamente, e certamente há de ser estilisticamente a forma mais processual de nos analisarmos com verdade, somos transladados pelos escritos de Virginia Woolf a refletir sobre nossa imagem quando confrontado a um objeto de reflexão que nos projete com exatidão aquilo que nem sempre revelamos dado ao uso obrigatório de máscaras e cultivo dessa prática como uma religião.

A palavra “espelho” em francês, “miroir” vem de “mirari” que quer dizer olhar com espanto. Se alguém se olha com espanto, certamente não se (re)conhece completamente ou teme que seja visto por mais alguém da forma como tal seja assim revelado, ou melhor, refletido, mostrado. Por isso a autora começa nos advertindo do perigo ao deixarmos espelhos pendurados nas paredes de casa. Eles podem ser perigosos... ainda que para a Psicologia, persona é o que não é e ao mesmo tempo o que dizem ela ser; enfrentamos então este risco. Risco das análises e reflexões em terceira pessoa (he, she and it) que farão então de nós a autenticidade das nossas identidades.

Personificando o espaço, através de um ambiente antrópico - a sala - adquire características humanas. Assim, entende-se que a sala seja o próprio observador e o espelho a realidade nua e crua. De modo que temos então uma projeção perfeita aos olhos de alguém. Porém uma visão limitada, condicionada pela finitude da latitude e da longitude que emolduram essa realidade, ou melhor, este espelho, porque “até ser cortada em ângulo pela moldura dourada” nada além pode ser contemplado, apenas imaginado, levando-me a questionar essa “perfeição” doravante, desconstruída pela própria autora.

O conto segue fazendo revelações da vida da senhora Tyson através dos objetos que a desnudam, assim como nossos acessórios sempre dizem muito da gente, as cartas dela a revelavam impiedosamente sacralizando a curiosidade e audácia da espectadora sala de estar ou quem sabe nós mesmos. E a visão incompleta do refletor da sala vai descortinando à própria sala traços de uma sucumbida personalidade, que ao final, refletida de fato e por direito no espelho, sem brilhantismo semântico, não é nada do que fora antes mostrada de forma torpe. Talvez, e apenas talvez, ela nem ao menos se reconhecesse face ao que lhes fora revelado, porque assim nos escreveu meu poeta e “espelho” para melhor dizer o que porquanto só sei sentir “só nós somos sempre iguais a nós próprios.” Com a vossa benção, Fernando Pessoa em heterônimo a Ricardo Reis, que também soube dizer “fiz de mim o que não soube. E o que eu podia fazer de mim não fiz, o dominó que vesti errado, conheceram-me logo por quem não era e eu não desmenti. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara.” Porque para concluir dialogicamente com o poeta português me resta apenas questionar o motivo pelo qual condicionamos nossa liberdade de imagem atendendo convenções e regras para mais tarde, ao final do conto, o espelho revelar apenas a verdade nua e crua ante o descomunal desejo de retirar as máscaras e quebrar os espelhos para não mais dizermos que não fomos comunicados de que “ninguém devia deixar espelhos pendurados em casa...”

... o inferno e o paraíso são espelhos do que somos nós...
(Dalto/Claudio Rabelo: Fafá de Belém)

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