Dali a tempos já havia se revelado uma heroína, não
dessas inglesas cujos olhos em tom machadiano se banhando nas águas
shakesperianas, diluem-se em leite ante as tonalidades que no Brasil revelam-se
inoperantes, mas de um ímpeto abrupto cuja fortaleza se desvela no pretume do
olhar majestoso ao observar pela segunda vez uma cena partilhada em crônicas
mudas. Silenciosa, da primeira vez me disse marejando os olhos – numa carona,
que sentiu seu coração partir ao ver uma pobre senhora apanhando da lata de
lixo um lanche para alimentar seu filho colado à barra da saia; o lanche havia
sido jogado por alguém da sacada de um prédio e isso bastou para silenciar toda
moral da história tornando a crônica mais muda que a das palavras não escritas.
Hoje, convicta das voltas que a vida dá, algum tempo depois daquela cena, da
simplicidade buscada pelo poeta, inconscientemente até, não sabendo que suas
experiências me inspiram, trouxe-me imageticamente a cena mais pura de uma
infância transbordada de grandes prazeres, daquelas que não se vive mais, apenas
cobiçada de uma sacada, não do mesmo prédio, mas pelos mesmos olhos que
preservam o negrume e a essência do coração de menina grande que bate, no
embalo do balanço daquele garoto, na mesma intensidade que alcança o frenesi do
empurrador, seja pai, amigo, irmão, não importando quem, sem saber que estão
sendo observados por outro quem quer que seja, e daquele lugar, n’aquela
condição, daria um pouco mais que a volta no quarteirão para tranquilizar-se
das asperezas e da dureza da vida real, vivendo apenas como ele: no balanço
recôndito de uma algaroba como se fosse o regaço acolhedor de sua mãe. Esse
texto não pode continuar, ele precisa ser cristalizado com o mesmo gesto que o
olhar perdido divagou-se por quase hora cenográfica, reproduzida em alguns
instantes e abraçada a som da canção que invade este ambiente.
segunda-feira, 23 de maio de 2016
domingo, 22 de maio de 2016
Protegendo-me de mim mesmo ou Quem dera fôssemos blindados
, quando me dei a acreditar pelo ribombo da consciência
que a possibilidade de se desertar os sentimentos aflora em um plano de
equivalência entre nossa inteligência afetiva e as mazelas à que somos
acometidos dia-a-dia, ou chamemos de provações, olhei para dentro do oco do bambu e nem sequer pude ver
um filamento celular que fosse, antes de mais nada, um sinalizador de vida. Senti
medo. Um espasmo fracionado por um instante eterno ondulou vibrante o fio da
mais alta tensão existencial do meu ser; percebi então que estava falando de
mim e já havia iniciado aquilo que chamam de texto alheio porque não mais me representa, mas que na verdade é apenas
o eco da consciência respondendo a si própria, através de gritos mudos, silenciando o
desconforto pensante daquilo que não queremos que você entenda. Não se trata,
contudo, de subestimar vossas inteligências múltiplas ao cubo e melhores que a ostentada por mim, mas de defender-se das
verdades cortantes que negamos à nós mesmos. Por isso escrever é sempre um
risco, é o risco de desnudar-se, de dar-vos provas para serem usadas contra nós
em algum momento de nossa vida, é um risco porque ao abrir a cortina da janela
do quarto pode, à mercê do dia, entrar sol ou chuva. Assim são também nossas
sensações – inesperadas, inexplicáveis e até mesmo assustadoras. E podem fazer frio demais, ou calor demais, e esse texto
morre aqui, para que não seja eu, o próximo Pedro da história não bíblica
desses tempos perigosos em que não conhecemos nem a nós próprios.
Assinar:
Postagens (Atom)