sábado, 17 de março de 2012

Quem já leu Teleco?


Com a bênção do simbologismo bíblico no qual Murilo Rubião delega a gênese de seus escritos, descreve a pureza e inocência de Teleco, um coelhinho amigável que costuma metamorfosear-se quando bem deseja para agradar aos outros. Através dessas carnavalescas mudanças, entre um coelho inocente e um tigre feroz, Teleco revela o protótipo das múltiplas e heterogêneas faces do homem social. Temos então, um discurso paralelo acerca da animalidade e humanização que envolve esse ser social. Até onde Teleco era apenas coelho? Até onde seu desejo de ser homem é real? Teleco não compreende o que seja ser homem, contudo, isso deseja para conquistar o amor de Tereza, que aparece na narrativa de forma sorrateira e escabrosa com promessas de torná-lo homem para abandoná-lo no final. E em nome desse desejo, dessa “necessidade” de ser homem “e eu vos farei homens – disse Jesus Cristo” o inocente coelhinho passa a desafiar as convenções simbólicas com a qual é teoricamente descrito no início do conto e passa a se comportar de modo a corromper-se aos olhos do narrador, parte do elenco em 1ª pessoa, chegando este, a afrontá-lo pela descabida forma de ser e agir, metamorfoseando-se para ludibriar os outros ou a si próprio. É assim que os homens sociais de nosso tempo (há muito tempo) fazem...

Quando Teleco bate de encontro à maldade humana, ele nem ao menos descreve essas sensações com palavras, senão gestos que falem mais, metamorfoses que maravilhem e encantem nosso emocional de maneira brusca, como transforma-se da água para o vinho numa fração de segundos como estimulo resposta a uma reação adversa. Eis então, a combinação mais que perfeita que se tem de reação humana X animal: o inevitável desejo de mudar.

As metamorfoses de Teleco – animal bem mais humano que tantos homens, nos revela paradoxalmente a desumanidade que nos assola. Quando o coelhinho sonha ser homem e confundisse com um transformado em Canguru, nos mostra de maneira crítica e severa que qualquer “bicho de pé” se sente homem e por isso age como um, embora na maioria dos casos, das forma mais provincianas e animalescas que se possa imaginar. É então que percebemos que todo sonho tem um preço. Toda ação tem uma reação.

Contudo, será digno de se questionar até onde vale a pena viver em transmutação no tempo e no espaço. Ninguém consegue metamorfosear-se para sempre; nem Teleco conseguiu. Um dia ele morreu, e embora em forma de criança, morreu com ele seu desejo de ser homem, incansavelmente irreconhecível pelas mudanças do seu eu. Seremos nós homens ou animais? Estaremos nós vivendo “aquela velha opinião formada sobre tudo” ou nos metamorfoseando em nome de sonhos particulares ou coletivos, para não dizer sociais? Frutos do meio ou árvores do meio, o fato é que muitos desses sonhos, muitas dessas metamorfoses nem ao menos acontecem, porque então nós, na condição de estarmos (e não necessariamente sermos) não nos reconhecemos e buscamos a felicidade onde não há. 

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante,
do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
(Raul Seixas)

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