Há exatos dois anos, em meio a choro e ranger de dentes, entrávamos num acordo com o tempo... Um acordo íntimo afim de que os dias passassem mais leves do que quando recebemos a brutal notícia da interrompida carreira chamada vida de Carlos Magno. Nesse meio tempo, houve sim, dias felizes, como não haveria de existir ao olhar fotografias, por exemplo? Dias em que pudemos sorrir ao ver as duas últimas doses de wisk que ele não teve tempo de tomar, deixando engarrafado até hoje seu cachorro no armário da cozinha, ao ver sua coleção de cachimbos ou um amontoado de livros espalhados pela casa entre tantas e muitas outras recordações que nos conduzem aquele olhar seco e direto para alguém ou alguma coisa. Talvez o apego memorial a essas lembranças, diga-se de passagem - boas, nos tenha acalentado o coração enquanto a dor permanece em estado latente em nossos subconscientes.
Vimos também nesses dias, quão falha e miserável é a justiça dos homens, que devolvem aos próprios homens, o indulto de assassinos cruéis e covardes, não devolvendo contudo, a vida que foi tirada. Esta, por sua vez, aos poucos vai se esvaindo da memória coletiva como uma marca que o sol vai desbotando numa parede. E sobre este dito, o acordo silencioso que havíamos feito com o tempo, parece não se cumprir.
Fernando Pessoa, em sua suprema sabedoria, certa vez disse que nós temos uma espécie de dever, de dever de sonhar sempre. Pensando nisso, tenho também pensado nos sonhos interrompidos do jovem irmão Carlos Magno, nos sonhos abortados da família que teve de aprender a conviver com a dor de uma lembrança e, sobretudo, no futuro incerto que nos aguarda; porque o passado, já dizia ele, é lenha calcinada e ninguém caminha a esmo. Mas a diminuta capacidade de compreensão e aceitação do que a vida nos reserva, especialmente além túmulo, nos humilha a ponto de fazer chorar.
Há dois anos, por essas horinhas, próximo ao crepúsculo - hora que eu não suporto - Carlos Magno fazia planos. Planos para a noite, para o amanhecer, para a semana... Para uma vida que estava só começando! Mas nenhum deles foi cumprido, nenhum consolo nos restou para que pudéssemos, hoje, dizer que havia chegado seu tempo. Seu tempo era quando? O que nos restou, pelas mãos de assassinos e pelo destino tortuoso, foi a resistência de nossa fé posta à prova para (con)viver com a realidade brutal que se instaurou em nossas vidas quando acreditávamos nada daquilo ser de verdade.
Se passado esse tempo, alguém em algum lugar do mundo, com alguma história parecida ainda for capaz de nos consolar, chegue mais perto e nos diga que tudo isso é de mentirinha, que o pesadelo acabou, que há uma vida que não se destrói. Gritem-nos, se preciso for, porque estamos surdos, precisamos saber que esta vida será devolvida, que tudo não passou de uma miserável inverdade, que a dor é um engano, que o pranto não existe e que a morte foi matada. Ainda esperamos por isso para sermos felizes de novo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário